segunda-feira, 24 de maio de 2010

Vik Muniz no MoMA

Pela primeira vez um artista plástico brasileiro é convidado a organizar uma exposição no mais influente museu de arte moderna do mundo
Tania Menai, de Nova York

O fotógrafo paulistano Vik Muniz gosta de dizer que levou 17 anos para fazer sucesso da noite para o dia. Iniciou sua carreira nos anos 70, mudou-se para Nova York em 1983, mas foi em 1995 que ganhou reconhecimento. Naquele ano, conseguiu emplacar seu trabalho em duas galerias pequenas – ainda assim, numa delas, suas obras estavam tão escondidas que quase tocavam o chão.
Tratava-se da série Crianças de Açúcar, em que ele fotografou imagens de crianças formadas por... açúcar. Seu talento, embora escondido, não escapou aos olhos de Charles Haggan, crítico de artes do New York Times, que flanava pela galeria. Sua resenha no jornal americano foi o passaporte para aquisições das obras de Vik pelos museus nova-iorquinos Metropolitan Museum of Art e Guggenheim. O Museu de Arte Moderna (MoMA) logo o escalou para a exposição New Photography, a grande porta para o mundo nova-iorquino da fotografia. Treze anos e inúmeras obras e exposições mais tarde, ele é considerado, hoje, aos 47 anos, um dos artistas mais produtivos e valorizados de sua geração. Seu prestígio é tal que ele será o curador da nona versão da Artist’s Choice (Escolha do Artista), que ocorrerá entre os dias 14 de dezembro de 2008 e 23 de fevereiro de 2009. Nesse projeto, criado pelo MoMA em 1989, os artistas exercem o papel de organizadores da exposição, com liberdade total para escolher obras alheias. É a primeira vez que um brasileiro tem essa oportunidade.
Seu trabalho também pode ser visto no restaurante Bar Boulud, em Nova York: uma série de quadros brancos com manchas de vinho, criada a quatro mãos com o chef Daniel Boulud. Na edição comemorativa de 75 anos da revista americana Esquire, publicada neste ano, pôs um retrato de Vladimir Putin feito de caviar. Vik ainda prepara a capa e mais cinco ilustrações da edição de fim de ano da revista dominical do jornal The New York Times. Essa já é a terceira encomenda da mesma revista. As fotografias feitas por Vik fazem parte do acervo particular e de galerias em São Francisco, Madri, Paris, Moscou e Tóquio, além de museus como Tate Modern e o Victoria & Albert Museum, em Londres, o Getty Institute, de Los Angeles, e o MAM, em São Paulo.
AUTO-RETRATO Vik Muniz na sala de sua casa-ateliê, no Brooklyn, em Nova York, ao lado da obra em que reproduziu uma foto sua com brinquedos de plástico e fotografou

De onde vem o sucesso de Vik? Da originalidade e da ousadia, para ficar em dois substantivos. Ou do fato de que Vik é pop, na tradição de Andy Warhol. Entre muitas outras ousadias, Warhol produzia retratos multicoloridos de celebridades – como Marilyn Monroe – e afirmava que seu sonho era “pintar como uma máquina”. Vik vai mais ou menos na mesma direção, usando e subvertendo símbolos da cultura popular contemporânea. “É muito difícil identificar as razões do sucesso de Vik Muniz, mas, sem dúvida, ele tem perfil de um artista muito atuante e extremamente produtivo”, afirma Lisbeth Rebollo Gonçalves, diretora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. “E Nova York é um dos centros mais importantes para a arte do mundo”. Quando as pessoas pensam em artistas plásticos brasileiros, diz Lisbeth, o nome de Vik sempre surge.
"Eu faria o retrato da Sarah Palin de gelo: derrete rápido”
Seus materiais são caviar, chocolate, sucata, diamantes, macarrão e papel picado. Ele transforma essas coisas em imagens – em geral, retratos – e depois as fotografa. Fez um retrato de Monica Vitti com diamantes e uma Mona Lisa de pasta de amendoim. A idéia não é nova no mundo da arte, mas ele a transformou em marca registrada. “Eu faria o retrato da ex-candidata republicana Sarah Palin de gelo: derrete rápido”, diz ele. Um importante aspecto da obra de Vik, segundo a professora Lisbeth, é lidar com a memória. Ele reinterpreta imagens significativas para o universo da arte como A Morte de Marat (obra-prima do neoclassismo, de Jacques Louis David, que mostra o líder revolucionário da Revolução Francesa assassinado na banheira). “Vik faz experimentações com materiais que são efêmeros, como chocolate ou caramelo, e depois fotografa as imagens transformando o efêmero em eterno”, afirma a professora.

A PEDIDOS Vik Muniz criou um trabalho com arame, exclusivo, para acompanhar a foto feita por ÉPOCA
Outro traço comum a ele e Warhol é a voracidade. Vik faz muita coisa simultaneamente, em várias áreas: fotografa, expõe, organiza exposições, edita revistas, ilustra revistas, escreve livros. É um trator, além de leitor ávido, grande conhecedor de história da arte e pessoa muito interessada na internet. Tem quase 2.500 “amigos” no site de relacionamento Facebook. O artista vive entre sua casa no Brooklyn e o Rio de Janeiro. “Seu trabalho é generoso. Oferece algo tanto para alguém que vê uma obra pela primeira vez quanto para colecionadores de arte”, diz Meg Malloy, da galeria Sikkema Jenkings & Co., que o representa em Nova York. Ela informa que o preço das obras do artista começa em US$ 9 mil. Vik é casado com a artista plástica brasileira Janaina Tschape e os dois têm uma filha, Mina, de 3 anos. A casa do Brooklyn é o estúdio do casal.
Vik gosta de contar histórias. Lembra do dia em que apertou a mão de Barack Obama, em 2005, quando visitava a cidade de Aspen. Diante do então senador, elogiou seu discurso feito um ano antes na convenção democrata e recebeu um convite de Obama para assistir a uma palestra naquele dia. Vik não pôde aceitar o convite, mas, minutos depois, ligou para sua assistente, Erika: “Acabei de apertar a mão do próximo presidente dos Estados Unidos”. Na eleição, fez sua parte para cumprir a profecia. “Eu estava na fila às 5 horas da manhã para votar nele”, afirma. O artista também participou de eventos para levantar fundos para a campanha de Obama – e acredita que o presidente eleito tem uma história parecida com a sua. “Ambos éramos sucessos improváveis”, diz. Vik nasceu no centro de São Paulo, filho de um garçom e uma telefonista. “Quem nasce nesse cenário não imagina ser capaz de ganhar dinheiro como artista, viver de arte”, diz ele. “A vinda para Nova York me permitiu viver de idéias”. Vik mantém o Centro Espacial do Rio de Janeiro, um projeto social que envolve jovens carentes interessados em arte.
Ele chegou aos Estados Unidos por Chicago, onde tinha parentes. Meses depois, seguiu para Nova York. Sua intenção era estudar inglês na cidade por seis meses e procurar um emprego melhor em São Paulo. Mas esse dia nunca chegou. Desembarcou em Nova York num domingo de verão. Andando pelas ruas, encontrou sem querer o MoMA. De lá, diz, foi para o Central Park, onde havia um concerto de música clássica que foi seguido de fogos de artifício. “Nunca tinha visto algo tão lindo. Naquele dia, decidi que iria morar aqui”, afirma. Seus primeiros anos na cidade foram tão difíceis que ele teve de escolher entre comida e passe de metrô. Também já passou noites em abrigos. “Ter vindo para cá foi a minha melhor decisão”, diz. “Aqui, não importa a classe social da qual viemos, temos chance de chegar a algum lugar. No Brasil dos anos 70, isso não era possível. Pelo menos não para mim”.
Em São Paulo, Vik estudava teatro e ensinava desenho acadêmico. Não se interessava por arte contemporânea. Em Nova York, fez cursos de artes cênicas. O teatro lhe dava a liberdade de usar várias técnicas e colocá-las todas no mesmo formato – o mesmo que veio a fazer mais tarde em sua fotografia. “Estou sempre falando da relação entre os diversos meios”, afirma. “Minha fotografia vem do desenho”. Ele comprou a primeira câmera em 1990, já com 16 anos de carreira. Antes da fotografia, fez esculturas: “Ainda tenho vontade de trabalhar com teatro e, principalmente, com cinema, mas ainda não tive coragem”.

CRIAÇÃO A bagunça no ateliê-estúdio do artista, no Brooklyn, Nova York, onde são feitas experiências com brinquedos, alimentos e sucata que se transformam em obras imortalizadas pela fotografia

Em geral, Vik trabalha à noite – “Quando o telefone não toca, minha mente já está cansada e posso dedicar minha atenção, que já é mínima, ao trabalho manual” –, e seu processo de criação é, segundo ele, completamente caótico. “Não anoto idéias. Quero que elas fiquem mudando na minha cabeça até o momento certo de executá-las. Isso pode durar dois ou três anos”, diz. Bem relacionado com colecionadores, acha que a atual crise financeira vai afetar muito o mercado das artes, mas diz que nem tudo está perdido. “Quando está todo mundo chorando, tem alguém que vende lenço”, afirma. Vik explica que os colecionadores começam adquirindo obras de galerias menores. As chamadas galerias introdutórias. Nelas, têm chance de se educar sobre arte e, geralmente, são atendidos com simpatia. Anos depois, passam a comprar nas galerias de mais prestígio e menos simpatia. “Nesta crise, as galerias pequenas vão fechar, e as grandes vão precisar ser mais simpáticas”, afirma. “O nome do novo jogo é sobrevivência”.
A participação de Vik no Artist’s Choice – seu feito mais recente – foi resultado da boa relação com o museu. Há um ano, ele circula pelo acervo do MoMA escolhendo obras para a exposição que vai organizar. Tem a sua disposição obras como Les Demoiselles d’Avignon, do espanhol Pablo Picasso, Noite Estrelada, de Vincent Van Gogh, e The Bather, de Paul Cézanne, além de trabalhos dos artistas americanos Andy Warhol, Jackson Pollock e Jasper Jones. Dessa oferta de valor incalculável, já escolheu 80 peças, entre pinturas, esculturas, fotografias, desenhos, vídeos e filmes. Quer, com elas, evidenciar a ligação que existe entre os trabalhos de artistas tão distintos como Picasso e Duchamp. Vik intitulou a mostra de Rebus, um jogo que funciona como quebra-cabeça. “Nesse caso, a ligação entre os trabalhos importa mais que o trabalho em si”, afirma. Não há nada do próprio Vik na exposição. No ano passado, seu trabalho ganhou uma amostra exclusiva no P.S.I – um anexo do MoMA no bairro de Quens – e agora o artista brasileiro acredita ser candidato a uma retrospectiva no prédio principal. Mas não para já. “Terei de esperar uns dez ou 15 anos”, diz ele. Para os padrões da consagração artística em Nova York, Vik Muniz ainda é muito jovem.

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